quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

FAÇAM POR....





.... não verem mais .....

 Vós, ó mães idolatradas, façam por não verem mais
 Crianças abandonadas, tísicas — nos hospitais.
 Sim, vós, ó mães carinhosas, criai as vossas filhinhas, Educai-as de criancinhas,
 Mas não em leis religiosas, que essas leis são perigosas, e p'los homens inventadas.
 Não sigam, pois, enganadas pelos padres sem consciência,
 E amem o deus-Providência,
 Vós, ó mães idolatradas!... Se quereis ver a religião, já noutro tempo atrasado,
 Leiam um livro chamado «Mistérios da Inquisição»
... Lendo aí, compreenderão como as pessoas reais
 Mandaram fuzilar pais e mães sem fazerem mal
. Padres e gente real, façam por não verem mais
. E quando se saiba amar como irmãos, em toda a terra,
 Bombas, revoluções e guerra para sempre hão-de acabar;
 Nem mais se hão-de encontrar
 Mulheres «matriculadas» — Infelizes que, desonradas, ali procuram a morte
, Deixando, aos vaivéns da sorte, crianças abandonadas
. Hão-de acabar os ladrões, os patifes, os mariolas
  Quando se fizerem escolas das igrejas e prisões
. Hão-de acabar os patrões, que são prejudiciais

 Comprando bons enxovais p'ràs suas filhas
  enquanto as dos pobres vertem pranto, tísicas — nos hospitais


. António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..

Considerado um dos poetas populares portugueses de maior relevo, afirmando-se pela sua ironia e pela crítica social sempre presente nos seus versos, António Aleixo também é recordado como homem simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX. No emaranhado de uma vida cheia de pobreza, mudanças de emprego, emigração, tragédias familiares e doenças, na sua figura de homem humilde e simples houve o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, polícia e servente de pedreiro, trabalho este que, como emigrante, exerceu em França. De regresso ao seu Algarve natal, estabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, atividades que se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderia a alcunha de «poeta-cauteleiro». Faleceu vítima de uma tuberculose, a 16 de novembro de 1949, doença que tempos antes havia também vitimado uma de suas filhas.


Gostei muito deste poema de António Aleixo que desconhecia. Não queremos ver, mas todos os dias nos entram pela casa dentro imagens que nos chocam e nos fazem pensar.

  " TUDO MUDA; TUDO SE TRANSFORMA ", dizem!. Há coisas que não mudam e o desânimo surge!

Emília Pinto

domingo, 14 de fevereiro de 2016

LUTA DE CLASSES




Não contem comigo para defender o elitismo cultural. Pelo contrário, contem comigo para rebentar cada detalhe do seu preconceito. A cultura é usada como símbolo de status por alguns, alfinete de lapela, botão de punho. A raridade é condição indispensável desse exibicionismo. Só pertencendo a poucos se pode ostentar como diferenciadora. Essa colecção de símbolos é descrita com pronúncia mais ou menos afectada e tem o objectivo de definir socialmente quem a enumera. Para esses indivíduos raros, a cultura é caracterizada por aqueles que a consomem. Assim, convém não haver misturas. Conheço melhor o mundo da leitura, por isso, tomo-o como exemplo: se, no início da madrugada, uma dessas mulheres que acorda cedo e faz limpeza em escritórios for vista a ler um determinado livro nos transportes públicos, os snobs que assistam a essa imagem são capazes de enjeitá-lo na hora. Começarão a definir essa obra como "leitura de empregadas de limpeza" (com muita probabilidade utilizarão um sinónimo mais depreciativo para descrevê-las). Este exemplo aplica-se em qualquer outra área cultural que possa chegar a muita gente: música, cinema, televisão, etc. Aquilo que mais surpreende é que estes "argumentos", esta forma de falar e de pensar seja utilizada em meios supostamente culturais por indivíduos supostamente cultos, e só em escassas ocasiões é denunciada como discriminadora do ponto de vista sexual ou social. Isso são livros de gaja, dizem eles. Às vezes, para cúmulo, há mesmo mulheres que dizem: isso são livros de gaja. A raiz da minha cultura não pertence ao elitismo. Tenho orgulho das minhas origens, do meu avô pastor, do meu pai carpinteiro, como outros têm orgulho dos seus longos nomes compostos. Depois de um trabalho que encerre convicções profundas, que tenha em conta os princípios da sua área artística, que seja consciente da história dessa área e que faça uma proposta coerente e inovadora, acredito na divulgação o mais ampla possível. Esconder uma obra em tiragens de 300 exemplares não lhe acrescenta um grama de valor artístico. Quando essa falta de divulgação resulta de uma escolha, pressupõe, quase sempre, falta de consideração pelo público, a crença de que um público mais vasto seria incapaz de entender tamanha sofisticação. Acredito que a poesia pode ser publicada em caixinhas de fósforos, escrita com trincha ou spray nas paredes, impressa em t-shirts, afixada no facebook. Em qualquer um desses lugares, será diferente, mas em todos continuará a ser poesia. É ridícula a ideia de que a divulgação deturpa. A banalização é sempre tarefa de quem banaliza e não do objecto banalizado. Quem não for capaz de convocar os seus sentidos e a sua razão para apreciar uma determinada obra, apenas por acreditar que se encontra muito difundida, tem problemas graves ao nível do espírito crítico e da isenção mais básica. Esse é um daqueles casos em que se aconselha a lavagem de olhos. É aí que reside a deturpação. Admiro o povo ao qual pertenço. Não o povo mitificado, admiro o povo quotidiano. Gosto de ir a feiras. Gosto de comer frango assado com as mãos. Devo tanto à cultura deste povo como devo a Dostoievski. Há alguns meses, a personagem de uma telenovela citou um poema escrito por mim. Toda a gente da minha rua viu e ouviu. A minha mãe ficou orgulhosa e eu também. Chamo-me José ou, se preferirem, Zé. Desprezo o elitismo. O verbo não é exagerado, adequa-se bem ao que sinto. Hei-de sempre divulgar o meu trabalho na máxima dimensão das minhas capacidades. Devo esse esforço à convicção que tenho naquilo que escolhi dizer. Fico feliz se vejo os meus livros disponíveis em supermercados, estações de correios, bombas de gasolina ou bibliotecas públicas. Aquilo que faço não existe sozinho, precisa de alguém que lhe dê sentido, o seu próprio sentido e interpretação pessoal. Se uma árvore cair sozinha na floresta, sem ninguém por perto, será que faz barulho? Por esse motivo, o esforço de divulgação é também uma mostra de respeito para com essas pessoas, é um sinal da minha crença nelas e no seu valor. Exactamente como estas palavras, que existem porque estás a lê-las. Escrevo romances, a minha força de vontade é enorme. Tenho 38 anos, conto estar por cá durante bastante tempo. Tenho ainda muito por fazer. Habituem-se. Não tenho medo


 José Luís Peixoto, in 'Visão' (Revista)



Sei que escolhi um texto bastante longo, mas o tema é tão interessante e oportuno que, mesmo assim, resolvi partilhar.

Este tipo de comportamento, a mim, sempre me irritou e é com frequência que o enfrento, podem acreditar.

Emília Pinto

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

MAIOR





 Eu sou maior do que era antes
 Estou melhor do que era ontem
 Eu sou filho do mistério e do silêncio
 Somente o tempo vai me revelar quem sou
 As cores mudam
 As mudas crescem
 Quando se desnudam
 Quando não se esquecem
 Daquelas dores que deixamos para trás
 Sem saber que aquele choro valia ouro
 Estamos existindo entre mistérios e silêncios
 Evoluindo a cada lua a cada sol
 Se era certo ou se errei
 Se sou súdito se sou rei
Somente atento à voz do tempo saberei



MILTON NASCIMENTO


Devemos procurar evoluir a cada lua... a cada sol e ser MAIOR E MELHOR a cada dia que passa

Emilia Pinto