terça-feira, 19 de junho de 2018

ESCUTAR



imagem- Pixabay


 Fomos Deixando de Escutar

 Me entristece o quanto fomos deixando de escutar. Deixámos de escutar as vozes que são diferentes, os silêncios que são diversos. E deixámos de escutar não porque nos rodeasse o silêncio. Ficámos surdos pelo excesso de palavras, ficámos autistas pelo excesso de informação. A natureza converteu-se em retórica, num emblema, num anúncio de televisão. Falamos dela, não a vivemos. A natureza, ela própria, tem que voltar a nascer. E quando voltar a nascer teremos que aceitar que a nossa natureza humana é não ter natureza nenhuma. Ou que, se calhar, fomos feitos para ter todas as naturezas. Falei dos pecados da Biologia. Mas eu não trocaria esta janela por nenhuma outra. A Biologia ensinou-me coisas fundamentais, uma  delas foi a humildade. Esta nossa ciência me ajudou a entender outras linguagens, a fala das árvores, a fala dos que não falam. A Biologia me serviu de ponte para outros saberes. Com ela entendi a Vida como uma história, uma narrativa perpétua que se escreve não em letras mas em vidas. A Biologia me alimentou a escrita literária como se fosse um desses velhos contadores não de histórias mas de sabedorias. E reconheci lições que já nos tinham sido passadas quando ainda não tínhamos sido dados à luz. No redondo do ventre materno, já ali aprendíamos o ritmo e os ciclos do tempo. Essa foi a nossa primeira lição de música. O coração esse que a literatura elegeu como sede das paixões , o coração é o primeiro órgão a formar-se na morfogénese. Ao vigésimo segundo dia da nossa existência esse músculo começa a bater. É o primeiro som, não que escutamosnós já escutávamos um outro coração, esse coração maior cuja presença reinventaremos durante toda a nossa existência —, mas é o primeiro som que produzimos. Antes da noção da Luz, o nosso corpo aprende a ideia do Tempo.
Com vinte e dois dias, aprendemos que essa dança a que chamamos Vida se fará ao compasso de um tambor feito da nossa própria carne.

 Mia Couto in " Pensamentos "


  O maior problema do nosso mundo, é não SABER ESCUTAR, o que dá origem a tantas guerras e outros conflitos. Escutar é ouvir com o coração-

Emília Pinto

terça-feira, 5 de junho de 2018

SERENIDADE


       ( imagem retirada da net )


 A serenidade não é feita nem de troça nem de narcisismo, é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos; é uma virtude dos santos e dos cavaleiros, é indestrutível e cresce com a idade e a aproximação da morte. É o segredo da beleza e a verdadeira substância de toda a arte. O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificências e os terrores da vida, o músico que lhes dá os tons de duma pura presença, trazem-nos a luz; aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra, mesmo se primeiro nos fazem passar por lágrimas e emoções dolorosas. Talvez o poeta cujos versos nos encantam tenha sido um triste solitário, e o músico um sonhador melancólico: isso não impede que as suas obras participem da serenidade dos deuses e das estrelas. O que eles nos dão, não são mais as suas trevas, a sua dor ou o seu medo, é uma gota de luz pura, de eterna serenidade. Mesmo quando povos inteiros, línguas inteiras, procuram explorar as profundezas cósmicas em mitos, cosmogonias, religiões, o último e supremo termo que poderão atingir é essa serenidade.


 Hermann Hesse, in 'O Jogo das Contas de Vidro'



 Hermann Hesse (1877-1962) foi um importante escritor alemão, autor de importantes obras, como, "Lobo da Estepe" e "O Jogo das Contas de Vidro". Prêmio Nobel de Literatura de 1946. Hermann Karl Hesse nasceu em Calw, Alemanha, no dia 2 de julho de 1877. Descendente de uma família de missionários pietistas, desde cedo foi preparado para seguir o mesmo caminho. Em 1881, quando tinha quatro anos a família mudou-se para a Basileia, na Suíça, onde permaneceu por seis anos. De volta a Calw frequentou a Escola em Göppingen. Em 1891 entrou para o seminário Teológico da Abadia de Maulbronn. Durante sua permanência no seminário escreveu algumas peças de teatro em latim, que apresentava junto com alguns colegas. As cartas que enviava aos pais eram em forma de rimas e muitas em latim. Redigiu alguns ensaios e traduziu poesia grega clássica para o alemão. Lutando contra a religião, as dúvidas, anseios e aflições, mostrava-se um jovem rebelde. Depois de sete meses fugiu do seminário, sendo encontrado depois de alguns dias perambulando pelo campo, confuso e transtornado. Começou então uma jornada através de instituições e escolas. Atravessou intensos conflitos com os pais. Após o tratamento, em 1893 concluiu sua escolaridade. Hermann Hesse aspirava ser poeta, mas começou um aprendizado em uma fábrica de relógios em Calw. A monotonia do trabalho fez com que ele se voltasse para as atividades espirituais.


Tocou- me muito este texto, porque já estou na fase de ambicionar, simplesmente, SERENIDADE. É uma benção consegui-la, porque na sociedade em que vivemos é preciso muita força para nos mantermos serenos



Emília Pinto