sábado, 21 de novembro de 2020

DEIXAI....

Imagem- pixabay 


 Tenho a pedir-vos que não reutilizeis mais nada,

Este edifício junto à praia,
deixai-o entregue à ruína, 
às folhas do milho, 
ao ar salgado. 

Que as crianças possam tropeçar nas lajes soltas
e no átrio ecoe, como uma pedreira, 
o desejo de muitas mãos. 

Deixai dormir as mariposas dentro de lâmpadas partidas 
e as formigas engrossarem pelos cantos 
como sal. 

Não inventeis mais nada, 
nem formas eloquentes de evitar que o bronze oxide. 
Aceitai o suor do tempo. 
Que algumas coisas apodreçam. 

Que os elefantes atravessem a planície. 
Que as veias rebentem do esforço de permanecer em pé
E que nem tudo se sustente como a rosa
se sustenta de florir. 

Deixai, deixai os vários pisos incomunicáveis, 
o desvão ser cortejado pelo giz dos aviões, 
que a lua pouse ali aberto o crânio,
que lhe bata o sol. 

Ainda são precisos os templos 
onde o pó seja gentil 
e incensado 
como os pés pela caruma dos pinhais

Poema de Andreia C Faria
in Singularidade- Poesia e etc


Conheci esta jovem escritora no blog do nosso Amigo Juvenal Nunes, PALAVRAS ALADAS. e decidi conhecê-la melhor. Escolhi este poema para partilhar com os meus amigos. Espero que gostem!

Emília Pinto 

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sábado, 7 de novembro de 2020

UM MUNDO COM MENOS



 

Imagem- pixabay


" Minha infância foi a comum da classe média brasileira de então. Se eu tivesse de identificar a grande diferença entre ser uma criança em 1970 e hoje, no mesmo patamar social, apontaria para a variedade atual. Variedade do quê? Tudo.

Sobre a mesa da nossa cozinha repousavam bananas, laranjas, ocasionalmente maçãs.....Surgia de quando em vez um tipo de mamão amarelo e algum melão, Nada de kiwis ou da bela e insípida fruta- dragão. Desconhecíamos physalis. Vi a minha primeira lichia já doutor. Havia chocolates. Eram sempre doces e com leite......hoje...com leite, com pimenta, com grãos de flor de sal, etc, etc.....

Eu usava um calçado esportivo Ki-chute....hoje, uma prateleira de tênis na loja é uma festa de cores cada vez mais impressionantes. É difícil escolher agora, em parte porque ficaram mais caros, em parte porque trazem excesso de informações....

O desejo de consumo existe em todos os grupos sociais, ainda que nem todos possam atendê-lo, Zygmund Bauman chega a sugerir que as lojas sejam denominadas farmácias, porque oferecem remédios para vários males. Está triste hoje? Compre! Está eufórico? Compre! Está com tédio? Compre! O mundo da internet tem um efeito secundário importante, Ele escancara a possibilidade de tudo para todos, Mesmo que eu não possa comprar X ou Y estou exposto às ofertas.....

Havia diferenças sociais ( inclusive maiores do que as de hoje ) quando eu tinha 7 anos. Havia pobres e ricos e , provavelmente, um maior conformismo com as desigualdades. É difícil comparar épocas. Queríamos coisas e desejávamos consumir. Tenho a sensação subjetiva de que aceitávamos melhor a recusa da nossa vontade. Não era necessário, parece, que as crianças fossem intensamente felizes 24 horas por dia....

Como explicar que a diminuição visível da desigualdade de renda em alguns anos deste século não foi acompanhada de uma queda de furtos ou roubos? Devemos levar em conta que a força do consumo aumentou e nem sempre o crime é famélico. A lei é quebrada  pela busca de status, por um celular mais avançado e pelo tênis importado. Matamos e morremos por logomarcas e seu valor simbólico. Uns estão entediados pelo excesso e outros ressentidos pela falta. Ambos constituem uma dupla complicada para um projeto nacional."


Excertos do capítulo Um Mundo com menos, do livro O Coração das coisas  de 

Leandro Karnal


Amigos, muito haveria a transcrever deste capítulo, mas ficaria um post muito longo. Estes

 excertos bastam para partilhar a mensagem que dele retirei. Estes tempo de pandemia têm-nos forçado a viver com menos, inclusive, com menos manifestações de afecto e esta  é a pior das carências.  Não creio que algo vá mudar na mentalidade humana, mas temos que manter a esperança.... 

temos de aprender a viver com menos, aliás há muito que esse aprendizado era necessário


Emília Pinto.   

 

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