sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

O NOVO HOMEM

Imagem - pixabay


 O homem será feito em laboratório.
Será tão perfeito como no antigório. 
Rirá como gente, beberá cerveja deliciadamente. 
Caçará narceja e bicho do mato. 
Jogará no bicho, tirará retrato com o maior capricho. 
Usará bermuda e gola roulée. 
Queimará arruda indo ao canjerê, e do não-objecto fará escultura. 
Será neoconcreto se houver censura. 
Ganhará dinheiro e muitos diplomas, fino cavalheiro em noventa idiomas. 
Chegará a Marte em seu cavalinho de ir a toda parte mesmo sem caminho. 
O homem será feito em laboratório muito mais perfeito do que no antigório. 
Dispensa-se amor, ternura ou desejo. 
Seja como for (até num bocejo) salta da retorta um senhor garoto. 
Vai abrindo a porta com riso maroto: «Nove meses, eu? 
Nem nove minutos.» Quem já concebeu melhores produtos? 
A dor não preside sua gestação. 
Seu nascer elide o sonho e a aflição. 
Nascerá bonito? Corpo bem talhado? 
Claro: não é mito, é planificado. 
Nele, tudo exacto, medido, bem posto: o justo formato, o standard do rosto.
Duzentos modelos, todos atraentes. (Escolher, ao vê-los, nossos descendentes.) 
Quer um sábio? Peça. 
Ministro? Encomende. 
Uma ficha impressa a todos atende. 
Perdão: acabou-se a época dos pais. 
Quem comia doce já não come mais. 
Não chame de filho este ser diverso que pisa o ladrilho de outro universo. 
Sua independência é total: sem marca de família, vence a lei do patriarca. 
Liberto da herança de sangue ou de afecto, desconhece a aliança de avô com seu neto. 
Pai: macromolécula; mãe: tubo de ensaio, e,
per omnia secula, livre, papagaio, sem memória e sexo, feliz, por que não? 
pois rompeu o nexo da velha Criação, 
eis que o homem feito em laboratório 
sem qualquer defeito como no antigório, 
acabou com o Homem. 
     Bem feito.

 Carlos Drummond de Andrade, in 'Versiprosa' //


Não estará muito longe este Novo Homem, não acham? 

Emília Pinto

sábado, 9 de janeiro de 2021

E CONTINUA .....

Imagem Pixabay



 Humanidade às Cegas 


Tanto jornal, tanta rádio, tanta agência de informações, e nunca a humanidade viveu tão às cegas.
 Cada hora que passa é um enigma camuflado por mil explicações. 
A verdade, agora, é uma espécie de sombra da mentira. 
E como qualquer de nós procura quase sempre apenas o concreto, cada coisa que toca deixa-lhe nas mãos o simples negativo da sua realidade. 

 Miguel Torga, in "Diário (1948)"


Que diria Miguel Torga se vivesse agora? Infelizmente....que a cegueira continua...

SAÚDE, AMIGOS !

Emília Pinto