O Calendário, naquele dia anunciava a Primavera. Por incrível que parecesse, estava um dia de inverno! O sol levou com a alcunha da lua, abriu os olhos no seu esplendor, brilhou e...logo rabujento começou a esconder-se entre pinceladas que sarrabiscavam o céu, numa tonalidade escura, que não deixava escapar um fiozinho de luz.
Havia uma certa calmaria, mas uma calmaria irritante...tudo parecia que estava no sono eterno.
Helena levantou-se do seu sofá forrado dum tecido inglês, de tonalidades suaves. Passou um pouco de baton para dar uma corzinha mais marcante e veio para a rua, quase como sonâmbula! Deparou-se com uma praça arborizada; canteiros floridos de amores perfeitos, onde contrastavam corpos enfiados em "kispos" sombrios, deixando transparecer sorrisos amargos, que percorriam as ruas acinzentadas, talvez à procura dum pouco de nada..... Só o cinza carregava e os corpos pareciam querer sucumbir! Pensou.... olhou e mais se aterrorizou!
Caminhando cambaleante, um pouco já afastada daquele praça, encontrou um café simpático com um ar moderno, um pouco de design num cinza prata com um branco à mistura, focos, um vazo grande com rosas vermelhas sobressaiam naquele conjunto! Procurava um pouco de calor...sentou-se e pediu um café; inspirou... expirou...e quase ficou aliviada!
Percorreu com o olhar o simpático café, onde duas ou três mesas estavam ocupadas, as outras despidas de nada... Saboreou seu café e o sorriso da empregada; vagueou... pousou os olhos e os sentidos...nas mesas vizinhas querendo adivinhar se a solidão era só sua!,. Por mais curioso, na mesa do lado esquerdo, alguém, cujo rosto não podia ver, olhava o jornal , sempre dentro da mesma pagina; ou estava longe ou arquitectava matar os ponteiros do relogio que não lhe obedeciam..... Procurando um pouco de esperança......esboçou um sorriso e continuou a observar:
Talvez na casa dos 30.. um casal, ele, um pouco delambido, brejeiro, gestos mais ou menos controlados, entusiasmado, parecia convidá-la para a festa do marisco, lá para os lado de Grove; ela anafadinha, parecendo as mulheres de "Botero", parecia espraiar-se sobre a mesa; instintivamente segurava a cabeça, com um sorriso enfadonho! Cada vez mais desinteressada, cabeça quase pousada no ombro, pareceu--lhe ouvi-la num tom rouco..."cala-te"!
Quase sem dar por ela, ia sorrindo embebida em todas aquelas histórias, que ia criando uma vez que os personagens se ofereciam..... De repente ouve um música romântica, relembrou com saudade os anos sessenta, dois corpos enleados faziam juras de amor. Um telemóvel tocou o homem solitário, dobrou o jornal....e sorriu. Fixou-o ....estilo dengoso; mostrava escutar uma voz ternurenta, que lhe segredava um carícia... Por instantes, Helena fechou os olhos... fantasiou naquele telefonema, era para si! Alguém acarinhava, uma voz melodiosa... convidava....Sorriu de felicidade...sonhava; fixou novamente o parceiro da mesa, os olhares entrelaçaram-se, os corações palpitaram...tímidos...olharam através da vidraça...um raio de sol rompeu na tarde daquele dia cinzento e...fez -se finalmente um dia primaveril!
Hermínia Coelho Lopes
Publicação para a Fabrica de Histórias
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