quarta-feira, 10 de maio de 2023

AUSÊNCIA

 Imagem da net



AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta. 
E lastimava, ignorante, a falta. 
Hoje não a lastimo. 
Não há falta na ausência. 
A ausência é um estar em mim. 
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, 
que rio e danço e invento exclamações alegres, 
porque a ausência, essa ausência assimilada, 
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade


Queridos Amigos, escolhi este poema  para vos informar que o Começar de Novo fará uma pausa. Carlos Drummond está certo, esta minha" ausência não é falta ", nem de Amizade, nem de carinho por todos vós, é antes uma necessidade de " estar em mim "  e nesse " estar em mim ", incluo  o grande prazer que terei, dentro de dias, em receber o meu único irmão e cunhada, Como sabem, ele vive no Brasil e vai ser muito bom tê-lo cá, atenuando assim as saudades de outras ausências, essas, sim, muito doloridas e que todos os dias lastimo

Mas não vão livrar-se de mim, Amigos....irei visitar-vos muitas vezes, podem ter a certeza
Um beijinho e que a alegria e saúde não vos faltem

Emília Pinto

quinta-feira, 4 de maio de 2023

A MATERNIDADE......

 

........ não me Aborrece 


A maternidade não me aborrece e devo afirmar até que, dada a influência determinante de minha mãe, em mim, sou uma pessoa marcada pelo signo materno. 
Tenho um apreço muito especial pela maternidade. Só que à mulher não compete apenas uma maternidade de tipo fisiológico. Cabe-lhe ultrapassar esse aspecto na medida em que pode conquistar uma sabedoria de tipo maternal para intervir no mundo, e orientá-lo. 
Um mundo onde só o homem tem a palavra, palavra essa que é origem de tantos desmandos, guerras, conflitos e soluções precárias de carácter económico e social. 
Estruturalmente, a mulher é avessa, alérgica à ideia de guerra e de conflito. 
A sua própria experiência maternal a predispõe contra a guerra. 
Dá vida mas não gosta de contribuir para a sua destruição. 
É por uma actuação pacífica. 

 Natália Correia, in 'Entrevista (1969)'


Estamos a chegar ao dia de homenagem AS MÃES e assim sendo, deixo aqui o meu abraço muito especial a todas as que me visitam; que o nosso pensamento vá, especialmente para aquelas que sofrem os horrores das guerras espalhadas por todo o lado. Deixo também a minha homenagem aos homens que, não sendo mães, têm uma e também àqueles que, por motivos vários, desempenham e muito bem as duas funções, a de Pai e Mãe

Parabéns Amigos!

quarta-feira, 26 de abril de 2023

LIBERDADE

 

— Liberdade, que estais no céu... 
Rezava o padre-nosso que sabia, 
A pedir-te, humildemente, 
O pio de cada dia. 
Mas a tua bondade omnipotente 
Nem me ouvia.

 — Liberdade, que estais na terra... 
E a minha voz crescia 
De emoção. 
Mas um silêncio triste sepultava 
A fé que ressumava 
Da oração. 

 Até que um dia. corajosamente, 
 Olhei noutro sentido e pude, deslumbrado 
 Saborear, enfim, 
O pão da minha fome. 
— Liberdade, que estais em mim, 
Santificado seja o vosso nome. 

 Miguel Torga, in 'Diário XII' 



" Até que um dia " a liberdade chegou e agora é preciso levantar as mãos ao céu para que ela seja mantida


Emília Pinto

quarta-feira, 12 de abril de 2023

MÃOS

 

Imagem Pixabay 


Com mãos se faz a paz se faz a guerra. 
Com mãos tudo se faz e se desfaz. 
Com mãos se faz o poema - e são de terra. 
Com mãos se faz a guerra - e são a paz. 

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra. 
Não são de pedras estas casas, mas de mãos. 
E estão no fruto e na palavra as mãos 
que são o canto e são as armas. 

cravam-se no tempo como farpas as mãos 
que vês nas coisas transformadas. 
Folhas que vão no vento: verdes harpas. 

De mãos é cada flor, cada cidade. 
Ninguém pode vencer estas espadas: 
nas tuas mãos começa a liberdade

Manuel Alegre 


Nem tudo está nas nossas MÃOS, mas não nos devemos esquecer que, com elas também podemos   AFAGAR. Tão simples!


Emília Pinto

segunda-feira, 3 de abril de 2023

DEIXEMOS.......

 

Imagem pixabay


 ....... A  HUMANIDADE  À SUA ORDEM NATURAL 


 Não aleijemos a pobre humanidade mais do que ela já está com tantas sacudidelas da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, de cima para baixo e de baixo para cima. Do individualismo para o colectivismo e do colectivismo para o individualismo. Não sejamos tão crianças que queiramos levantar ao ar a esfera pretendendo agarrá-la apenas pelo hemisfério da direita ou apenas pelo da esquerda, ou apenas pelo hemisfério superior, porque a única maneira de agarrá-la bem tão-pouco é pôr-lhe as mãos por baixo, nem ainda abraçando-a com os dois braços e os dedos metidos uns nos outros para não deixar escapar as mãos e com o próprio peito do lado de cá a ajudar também; a única maneira de equilibrar a esfera no ar é deixá-la estar no ar como a pôs Deus Nosso Senhor, ás voltas à roda do sol, como a lua à roda de nós e assegurada contra todos os riscos dos disparates da humanidade. Não temos mais remédio do que ir aprender tecnicamente como funcionam estas coisas tão naturais! O Mundo da Natureza é o modelo dos modelos de todas as maquinarias, porque não havemos então de acertar também o mundo social no seu próprio funcionamento como todas as outras máquinas do mundo? 


 Almada Negreiros, in "Ensaios"


Voltei a Almada Negreiros por conhecer pouco a sua obra e escolhi este texto porque o ser humano continua a interferir na Ordem natural do nosso planeta terra. Cada vez vemos mais " disparates "!

Emília Pinto

segunda-feira, 20 de março de 2023

PRIMAVERA

 

Imagem - Quadro de Almada Negreiros, artista plástico, poeta, dramaturgo e coreógrafo 


O sol vae esmolando os campos com bôdos de oiro. 
A pastorinha aquecida vae de corrida a mendigar a sombra do chorão corcunda,
poeta romantico que tem paixão p'la fonte. 
Espreita os campos, e os campos despovoados dão-lhe licença para ficar núa. 
Que leves arrepios ao refrescar-se nas aguas! 
Depois foi de vez, meteu-se no tanque e foi espojar-se na relva, a seccar-se ao sol.
Mas o vento que vinha de lá das Azenhas-do-Mar, trazia peccados comsigo. 
Sentiu desejos de dar um beijo no filho do Senhor Morgado. 
E lembrou-se logo do beijo da horta no dia da feira. 
Fechou os olhos a cegar-se do mau pensamento, 
mas foi lembrar-se do proprio Senhor Morgado á meia noite ao entrar na adega. 
Abanou a fronte para lhe fugir o peccado, 
mas foi dar comsigo na sachristia a deixar o Senhor Prior beijar-lhe a mão, e depois a testa... 
porque Deus é bom e perdôa tudo... e depois as faces e depois a bocca e depois... fugiu... 
Não devia ter fugido... E agora o moleiro, lá no arraial, bailando com ella
e sem querer, coitado, foi ter ao moinho ainda a bailar com ella. 
E lembra-se ainda - sentada na grande arca, e mãos alheias a desapertarem-lhe as ligas e o corpête
emquanto ouve a historia triste do moinho com cincoenta malfeitores... 
Quer lembrar-se mais, que seja peccado! quer mais recordações do moinho, mas não encontra mais. 
 Ah! e o boieiro quando, a guiar a junta, topou com ella 
e lhe perguntou se vira por acaso uma borboleta branca a voar a muito, uma borboleta muito bonita! Que não, que não tinha visto; mas o boieiro desconfiado foi procurando sempre,
e até mesmo por debaixo dos vestidos. Como desejava poder ir com todos! 
Não sabe o que sente dentro de si que a importuna de bem estar. 
Teria a borbolêta branca fugido para dentro d'ella? 

 Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'


Procurando algo sobre esta linda estação do ano, encontrei esta maravilha de Almada Negreiros e achei interessante a escrita ainda em Português Arcaico. Ainda bem que as línguas, sendo vivas, vão sofrendo alterações ao longo dos tempos

Espero que gostem !

Emília Pinto

sexta-feira, 10 de março de 2023

AMOR......

 



....... COM INCOMPREENSÃO 


 Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa.


Clarice Lispector, in Felicidade Clandestina


Achei este texto interessante por nos mostrar que o segredo para se manter um relacionamento longo está precisamente no " Amor com Incompreensão , juntando as incompreensões." Fácil? Não é, mas vale a pena tentar, pois cada um cada um vê a sua individualidade respeitada 


Emília Pinto