terça-feira, 16 de junho de 2020

A VIDA











Imagem- pixabay




A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.


Nuno Júdice, in "Teoria Geral do Sentimento



No  post anterior, escolhi o poema de Manuel Bandeira, a ESTRADA e agora partilho um de Nuno Júdice que fala da VIDA. . Dois poema que não conhecia, mas que, tenho consciência, abordam o mesmo tema; no entanto e, dadas as circunstâncias actuais, a nossa vida está confusa, está  um emaranhado de emoções, um quebra-cabeças autèntico ; são tantas as dúvidas e incertezas que muitas vezes não consigo "encaixar a peça " no seu devido lugar .Mas não podemos desistir..".a Luz deixará de ser indecisa"


Emília Pinto











quinta-feira, 4 de junho de 2020

ESTRADA






Imagem . pixabay





Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho
manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.

Manuel Bandeira, in 'Bandeira de bolso: uma Antologia Poética'


" A vida passa....a mocidade vai acabar... "

Nem sempre podemos escolher o caminho, mas, se pudermos, escolhamos aquele que  tem mais beleza, o das coisas simples.


Emília Pinto