.... não verem mais .....
Vós, ó mães idolatradas, façam por não verem mais
Crianças abandonadas, tísicas — nos hospitais.
Sim, vós, ó mães carinhosas, criai as vossas filhinhas, Educai-as de criancinhas,
Mas não em leis religiosas, que essas leis são perigosas, e p'los homens inventadas.
Não sigam, pois, enganadas pelos padres sem consciência,
E amem o deus-Providência,
Vós, ó mães idolatradas!... Se quereis ver a religião, já noutro tempo atrasado,
Leiam um livro chamado «Mistérios da Inquisição»
... Lendo aí, compreenderão como as pessoas reais
Mandaram fuzilar pais e mães sem fazerem mal
. Padres e gente real, façam por não verem mais
. E quando se saiba amar como irmãos, em toda a terra,
Bombas, revoluções e guerra para sempre hão-de acabar;
Nem mais se hão-de encontrar
Mulheres «matriculadas» — Infelizes que, desonradas, ali procuram a morte
, Deixando, aos vaivéns da sorte, crianças abandonadas
. Hão-de acabar os ladrões, os patifes, os mariolas
Quando se fizerem escolas das igrejas e prisões
. Hão-de acabar os patrões, que são prejudiciais
Comprando bons enxovais p'ràs suas filhas
enquanto as dos pobres vertem pranto, tísicas — nos hospitais
. António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..
Considerado um dos poetas populares portugueses de maior relevo, afirmando-se pela sua ironia e pela crítica social sempre presente nos seus versos, António Aleixo também é recordado como homem simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX. No emaranhado de uma vida cheia de pobreza, mudanças de emprego, emigração, tragédias familiares e doenças, na sua figura de homem humilde e simples houve o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, polícia e servente de pedreiro, trabalho este que, como emigrante, exerceu em França. De regresso ao seu Algarve natal, estabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, atividades que se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderia a alcunha de «poeta-cauteleiro». Faleceu vítima de uma tuberculose, a 16 de novembro de 1949, doença que tempos antes havia também vitimado uma de suas filhas.
Gostei muito deste poema de António Aleixo que desconhecia. Não queremos ver, mas todos os dias nos entram pela casa dentro imagens que nos chocam e nos fazem pensar.
" TUDO MUDA; TUDO SE TRANSFORMA ", dizem!. Há coisas que não mudam e o desânimo surge!
Emília Pinto