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Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.
Manoel de Barros, in 'Memórias inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros
Hoje, dia internacional da criança, escolhi este texto pela ternura e simplicidade- É muito fácil fazer uma criança feliz e Manoel de Barros mostra-nos isso neste pequeno relato da sua infância
Lembremos, hoje e sempre as crianças que sofrem todo o tipo de violência e que, apesar da riqueza do mundo em geral, ainda morrem de fome
Emília Pinto
Bom Dia das Crianças, querida amiga Emília!
ResponderEliminar" Em vez de peraltagem eu fazia solidão. "
Fico emocionada ao ler uma postagem assim de um texto tão expressivo.
Lembro-me da minha infância de tantas coisas que não podia fazer... Mas podia brincar de solidão. De outras coisinhas que me permitiam e que me deixaram.
Que as crianças do mundo inteiro tenham paz e dignidade sendo coroadas de muito Amor!
Tenha dias abençoados!
Beijinhos com carinho de gratidão e estima
Revi-me neste rexto, Rosélia. Apesar de ter muitas crianças que brincasse comigo, não havia brinquedos e tinhamos que os inventar, exactamente como fazia Manoel de Barros. Não havia tanta fartura, mas tinhamos muita liberdade, coisa que falta às crianças de hoje. Obrigada, querida Amiga e que todos estejam bem de saúde e que os teus problemas já estejam sanados. Beijinhos
EliminarEmilia
Querida Emília
ResponderEliminarBom dia
Que texto maravilhoso, este de Manoel Barros.
Com muita expressividade e verdade. Há muitas crianças
que crescem assim, em solidão, e nela criam o seu próprio
mundo. Com a natureza como companheira, as comparações
só poderiam acontecer perante as coisas do seu dia-a-dia.
Desejo-te um dia lindo com os teus netinhos.
E que a Felicidade vos bafeje sempre.
Beijoquinhas à pequenina Beatriz.
Beijinhos
Olinda
Muito obrigada, querida Olinda. Que as nossas crianças tenham saúde é o que mais pedimos, pois amor e conforto, felizmente têm . Agora....há muitas que nem uma coisa nem outra e é nessas que devemos pensar. Eu também tinha a natureza por companheira e as comparações tinham de ser iguais às do Manoel de Barros. Não ficava sozinha nas brincadeiras, mas não havia brinquedos. Eram tempos dificeis, Amiga! Beijinhos e que a saúde seja sempre boa para todos vós.
EliminarEmilia
LINDÍSSIMA TUA ESCOLHA PARA COMEMORAR O DIA DA CRIANÇA! Manoel de Barros, uma criança sempre!
ResponderEliminarbeijos prainos, lindo JUNHO! chica
É verdade, Chica! Conheço pouco da obra de Manoel de Barros, mas achei uma ternura, este te to. Obrigada querida Amiga e desejo que estejas a ter uns bons dias de praia. Beijinhos
EliminarEmilia
Feliz dia ( que sejam todos os dias ) para todas as crianças do mundo
ResponderEliminar.
Cumprimentos cordiais … um dia feliz
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Infelizmente, Ricardo, há muitas crianças que nem sabem que têm um dia dedicado a elas. As guerras, os maus tratos, a fome são uma constante na vida delas. Beijinhos e obrigada
EliminarEmilia
Um texto suave, cheio de ternura...Um Mundo cheio de segredos e de alegrias... Hoje, o Mundo é hostil para as crianças.
ResponderEliminarBeijos e abraços
Marta
Tens razão, Marta! O mundo hoje não pensa nas crianças, mas, se pensarmos bem, acho que sempre foi assim; havia muita miséria antigamente e não havia merenda nem comida nas escolas e isso faz muita diferença. Pelo menos fazem uma refeição boa, enquanto estão na escola, coisa que, quando eu era criança, entrava-se com fome e com fome se saía . Quando chegavam a casa pouco tinham para comer.. Um beijinho, Amiga e muito obrigada pelo carinho
EliminarEmilia
Que lindo, este texto de Manoel de Barros!
ResponderEliminarPoderíamos pensar que não teve uma infância feliz, porque foge às normas gerais do que se considera uma infância feliz. Mas... o contacto que ele teve com a Natureza e os seus seres, a sua observação, a sua quase que comunhão, acabou por fazer dele um ser especial e tornou-o numa criança feliz, à sua maneira.
Tomara que todas as crianças do mundo inteiro pudessem ter uma infância como esta, longe das guerras e da fome - e em muitos casos maus tratos - que as afligem.
Na minha família não há crianças, por agora. Mas há na tua. Um dia muito feliz para a Beatriz, assim como para todos vós.
Um grande abraço cheio de carinho, minha querida amiga.
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
EliminarTens toda a razão, Mariazita, ele conseguiu ser feliz com os brinquedos arranjados na natureza, em liberdade, mesmo sozinho, coisa que as crianças de hoje não têm . Não é preciso muito para fazer uma criança feliz, mas, infelizmente, as atrocidades cometidas contra elas são muitas e algumas são inacreditáveis, de tão medonhas. . O homem é o único ser que abandona e mata as suas crias e isso é muito dificil de aceitar Amiga, muito obrigada pelo carinho e espero que estejam todos bem de saúde Beijinhos e um abraço carregadinho de amizade
Emilia
Querida Emília, eu gosto imensamente desse poeta, há ternura em suas poesias. E como conhecemos
ResponderEliminarcrianças que criam ou imaginam, de alguma coisa bruta, seus encantados brinquedos, e que do nada viram caminhões, bonecas e outras coisas segundo a imaginação. Criança não deveria sofrer, mas a vida não pensa assim.
O importante, também, é conservarmos uma nesga da criança que fica em nós, é uma alegria constante. Mas esse já é outro assunto.
Deixo um beijinho aos teus netinhos, que aproveitem bem sua infância, isso é mais para a Beatriz, os outros, não querem mais ser crianças, mas no nosso tempo, seriam!
Um beijinho, querida amiga!
Saúde para todos aí, sempre.
corrigindo, amiga:...
Eliminare que do nada "vieram" caminhões, bonecas e outras coisas segundo a imaginação.
bjins
" Crianças não deveriam sofrer, " Tais, mas a vida traz-lhe o sofrimento , tantas vezes com doenças graves e dolorosas, mas o que mais nos hkca é essa dor ser infligida pelos próprios pais que tantas vezes as matam,. E depois vêm as guerras, a fome, o abandono completo
EliminarTambém gosto de Manoel de Barros, embora conheça pouco a obra dele. Fui uma criança como ele inventando brinquedos, pois não havia condições para os comprar, no entanto considero que tive uma meninice feliz, pois o essencial nunca me faltou e o miminho também havia. Sim, os meus netos mais velhos já não gostam de ser considerados crianças, mas, como bem dizes, " no nosso tempo seriam" ; não havia essas novas tecnologias que os " prendem em casa" tornando-os adultos antes do tempo. Mas é assim e temos de aceitar a evolução. Obrigada, Amiga, pelo belo comentário e desejo-te tudo de bom, principalmente saúde . Que consigas conservar dentro de ti essa " nesga de criança " tão importante para podermos levar a vida com mais leveza. Beijinhos
Emilia
Um texto que desconhecia por completo. Manoel de Barros é um autor que infelizmente conheço quase só de nome. Que me lembre li apenas meia dúzia de poemas dele.
ResponderEliminarAbraço e saúde
Não és só tu, Elvira, eu também conheço muito pouco da obra deste escritor mas uma das vantagens dos blogues é esta, a oportunidade de conhecermos coisas novas. Obrigada, Amiga, pela presença carinhosa e desejo que os teus problemas de saúde estejam a ser resolvidos. Beijinhos
EliminarEmilia
um texto muito bonito, que subcreveri com prazr
ResponderEliminarbeijo
Lindo, sim, Manuel! Fala de uma época em que as crianças eram livres e brincavam muito em contacto com a natureza, coisa que hoje faz muita falta às nossas crianças. Fico feliz por teres gostado. Volta sempre! Um beijinho e saúde para todos
EliminarEmilia
Um texto tão inocentemente belo que só poderia ter saído da pena do grande poeta Manoel de Barros. Conheço bastante da obra dele mas não conhecia este deambular maravilhoso e tão real. As tuas palavras, Emília, são a realidade do nosso tempo em que hoje, visto por um prisma distante, era tanto o que nos fazia felizes e com tão pouco! Lembro as bonecas de trapos que fazia nas tardes seguintes a uma noite de chuva quando esquecia a boneca de papelão no jardim e ficava desfeita.... A imaginação era um suporte para que a felicidade não sumisse. Hoje...está tudo à distância de um clic. Mas é uma ínfima parte da felicidade de uma criança em comparação com o sofrimento de fome e violações que me arrepiam. Não há tempo para ser criança. Não há tempo para se ser pai e mãe. Mas como tudo o que foge ao controle do Homem, Alguém mais nos virá dar uma mão para tirar o mundo da miséria onde está atulhado.
ResponderEliminarUm grande beijinho com muita amizade amizade !
" Não há tempo para ser criança ", é verdade, Manuela e por outro lado, a insegurança faz com que elas fiquem muito tempo metidas em casa e os pais também a dam sempre ocupados e os filhos sentem essa ausência. Mas também é verdade que o que é preciso é que o pouco tempo de que dispõe seja de qualidade e não se esqueçam de que primeiro estão os filhos e só depois as novelas e o futebol. A hora do banho pode ser muito divertida, a hora de deitar pode ter uma história e para isso n precisam de muito tempo Mas muitos preferem colocá-los a ver tablet enquanto assistem televisão e isso é que está errado. Infelizmente, Manuela, há outro tipo de sofrimento que nos " arrepia " e que nos faz sentir vergonha de pertencermos à raça humana, a única que é capaz de matar a própria cria. Querida Amiga, gostei muito de te ver aqui, com um belo comentário que agradeço. Espero que estejam todos bem de saúde e que a tua pequenina continue " sapeca" , pois é bom sinal. . Beijinhos e a minha sincera amizade, querida Manuela.
EliminarEmilia
O texto é belíssimo.
ResponderEliminarNão conhecia e gostei d o ler. Obrigado pela partilha.
Continuação de boa semana, amiga Emília.
Beijo.
Obrigada, Jaime! Vou continuar com as crianças, pois acho que merecem, não é verdade? Espero que estejam todos bem e que as tuas crianças encham a tua casa de gargalhadas e de travessuras. Elas crescem e a sala fica muito arrumadinha... coisa muito triste, Amigo! Beijinhos
EliminarEmilia
Magnífico Manoel de Barros! Só mesmo este poeta para dizer de forma ao mesmo tempo encantatória e melancólica estas palavras sobre a infância. Gosto bastante de ler os livros de Manoel de Barros.
ResponderEliminarGostei de o encontrar aqui, minha Amiga Emília.
Uma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Um texto maravilhoso, que faz referência a um universo feliz, mas onde a solidão também se fazia sentir...
ResponderEliminarAssinalou este dia da melhor forma, Emília, com a sensibilidade do grande Manoel de Barros! Adorei ler! Um beijinho!
Ana
Queridas, Graça e Ana, hoje descobri o vosso comentário no spam e por isso ficaram sem resposta. Peço desculpa. Um beijinho e obrigada
ResponderEliminarEmilia