
É assim que eu considero
este texto em Mirandês e respectiva tradução; uma autêntica preciosidade que me foi fornecida pela minha amiga
Dulce Pompeo de Camargo, professora universitária no Brasil. Para mim foi uma informação importantíssima, pois permitiu-me ler, pela primeira, vez algo escrito nesta língua. À minha amiga um
beijinho muito especial e o meu muito obrigada. Espero que gostem!
"Esse texto foi inspirado no poema Dues Lhénguas, de Amadeu Ferreira,
escrito em mirandês, língua falada em trinta e uma aldeias de Portugal e
oficialmente reconhecida pela Convenção Européia das Línguas Minoritárias. Na realidade, mais do que uma inspiração, foi uma adaptação. Reproduzimos aqui algumas frases integrais do poema original, com autorização do autor concedida
ao prof. José R. BESSA. Esse texto serviu de tema de reflexão em oficina com os professores guarani e os agentes indígenas de saneamento (AISAN) do Rio de Janeiro, ministrado por José Bessa, Ananda Machado e Fátima Queiroz."
POEMA ORIGINAL EM MIRANDÊSDues Lhénguas – Amadeu FerreiraAndube anhos a filo cula lhéngua trocida pula
oubrigar a salir de l sou camino i tener de
pensar antes de dezir las palabras ciertas:
ua lhéngua naciu-me comi-la an merendas bubi-la an fuontes i rigueiros
outra ye çpoijo dua guerra de muitas batailhas.
Agora tengo dues lhénguas cumigo
i yá nun passo sin dambas a dues.
Stou siempre a trocar de lhéngua mei a miedo
cumo se fura un caso de bigamie.
Ua sabe cousas que l’outra nun conhece
ríen-se ua de l’outra fazendo caçuada i a las bezes anrábian-se
afuora esso dan-se tan bien que sonho nas dues al mesmo tiempo.
Hai dies an que quiero falar ua i sale-me la outra.
Hai dies an que quedo cun ua deilhas tan amarfanhada que se nun la falar arrebento.
Hai dies an que se m’angarabátan ua an la outra
i apuis bótan-se a correr a ber quien chega purmeiro
i muita beç acában por salir ancatrapelhadas
i a mi dá-me la risa.
Hai dies an que quedo todo debelgado culas palabras por dezir
i ancarrapito-me neilhas cumo ua scalada
i deixo-las bolar cumo música
cul miedo que anferrúgen las cuordas que las sáben tocar.
Hai dies an que quiero traduzir ua pa la outra...
Tradução de José R. Bessa Freire ao português do Brasil
Dues Lhénguas – Amadeu Ferreira
Duas línguas"Andei anos a fio com a língua torcida, porque
obriguei-a a desviar o seu caminho e a ter de
pensar antes de falar as palavras certas :
uma língua nasceu comigo, comi-a em merendas, bebi-a em fontes e riachos
e a outra é o que sobrou de uma guerra de muitas batalhas.
Agora tenho duas línguas comigo
e já não posso mais viver sem as duas.
Estou sempre trocando de língua com um pouco de medo,
como se fosse um caso de bigamia.
Uma sabe coisas que a outra desconhece,
acham graça uma da outra, caçoam e às vezes se zangam
afora isso, elas se dão tão bem, que sonho nas duas ao mesmo tempo.
Há dias em que quero falar uma e me sai a outra.
Há dias em que fico com uma delas tão engasgada que se calo
posso explodir.
Há dias em que se enredam uma na outra
e depois começam a correr para ver quem chega primeiro,
e muitas vezes acabam permanecendo encabrestadas uma na outra
e me dá vontade de rir.
Há dias em que fico todo arqueado com as palavras não ditas
e me ergo nelas como numa escalada
deixando-as voar como música
com medo que fiquem enferrujadas as cordas que as sabem tocar.
Há dias em que quero traduzir uma para a outra..."
Esta é só a 1ª parte do texto. Achei que ficaria muito longo o post se colocasse a 2ª parte. Prometo-vos, no entanto, que mais tarde publicarei o que falta
Emília Pinto