terça-feira, 30 de junho de 2015

CHICO BUARQUE .....




Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
 Serviram-me o amor como dobrada fria. Disse delicadamente ao missionário da cozinha
 Que a preferia quente, Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
 Impacientaram-se comigo.
 Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
 Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta, E vim passear para toda a rua.
 Quem sabe o que isto quer dizer? Eu não sei, e foi comigo ... (Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim, Particular ou público, ou do vizinho.
 Sei muito bem que brincarmos era o dono dele. E que a tristeza é de hoje).
 Sei isso muitas vezes, Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram Dobrada à moda do Porto fria?
 Não é prato que se possa comer frio, Mas trouxeram-mo frio.
 Não me queixei, mas estava frio, Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

(Álvaro de Campos)

 Espero que gostem.

Emília Pinto




36 comentários:

  1. Um texto com assinatura.
    Dá para pensar não apenas nesse prato famoso no Porto,mas também na nossa vivência diária com a comunidade que nos rodeia e onde estamos inseridos.
    Aquele calor humanos que devemos servir com um sorriso,um olhar ou ainda mais em palavras cheias de amor .
    Votos de uma excelente semana.

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    1. Uma bela comparação fez o nosso Fernando Pessoa, Luis. Não conhecia o poema, mas achei-o interessante e por isso resolvi partilhar. De facto a vida perde o sabor quando falta o calor humano e o que mais vemos por aí é a frieza servida todos os dias sem o mínimo cuidado. O sorriso e as palavras carinhosas enchem os nossos corações de calor. Obrigada, Luis. Um beijinho e tudo de bom
      Emília

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  2. Texto e música lindos! beijos, tudo de bom,chica

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    1. Também achei, Chica. O nosso Pessoa com o vosso Chico Buarque. Muito bom, amiga. beijinhos e obrigada.
      Emília

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  3. Um retrato que continua actual da vida... Creio que todos nós sentimos esse frio quando ninguém nos sorri, conversa connosco.... Pelo contrário, até nos faz sentir estranhos,intrusos e precisamos tanto de calor humano...
    Obrigada pela partilha...
    Beijos e abraços
    Marta

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    1. Falaste bem, Marta! Há tanta falta de calor humano que muitas vezes até nos sentimos mal quando tentamos reverter a situação. Não há conversa, não há olhares. Ainda hoje fui ao café e o que vi? Pessoas caladas, a maioria com o telemóvel à frente. Trocou-se o diálogo pelas novas tecnologias. Depois...não é só a dobrada que é servida fria; tudo é frio, apesar de já estarmos no Verão. Beijinhos, amiga e muito obrigada pelo carinho. Volta sempre!.
      Emília

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  4. Revi-me neste texto...

    Devia tentar sorrir e não consigo...vejo tudo cinzento ao meu redor...concluo que o "frio" instalou-se( não só em mim)...

    Beijinhos.

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    1. Querida amiga, o calor veio, o Verão traz com ele uma melhor disposição, mas...nem sempre isso basta e eu sei que para ti não está fácil aceitar o convite do sol e sorrir. Dizemos facilmente que é preciso ter força, mas, amiga, sei que não basta isso; nem sempre somos nós a ter o poder de escolha; a vida traça muitas vezes o nosso caminho sem que o possamos desviar e só nos resta aceitar e fazer com que o tempo nos ajude. Deixo-te um forte abraço e a minha sincera amizade. Obrigada por teres vindo
      Emília

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  5. Olá, querida Emília!

    Espero que estejas bem, tal como os teus familiares.
    Já não te visitava há uns tempinhos, mas como escrevo muito, o tempo, o dia só tem 24h e eu tenho de dormir umas 7/8 para me sentir bem. Além disso não tenho o blogue só por ter. Faço questão de escrever coisas que me agradem e que agradem também aos outros, o que, graças a Deus vou conseguindo. Para além disso, há a vida profissional e a particular.

    Ora, deixemo-nos de prefácios e passemos à tua publicação, como sempre diferente e muito interessante.
    Falar de um dos heterónimos de Fernando Pessoa, o mais importante, em minha opinião, não é de todo fácil, mas também não é nenhum "bicho de sete cabeças".
    Acho a comparação da dobrada à moda do Porto com o amor uma coisa em que nunca tinha pensado, embora conhecesse já este texto de A. Campos. Estranho, acho eu!
    Na realidade o amor tem de ser quente, ser servido e "comido" quente, quente o mais possível, tal como a dobrada à moda do Porto. Penso que o facto de eu não ter estabelecido ainda a correlação entre as duas coisas, se deve ao facto, de eu não gostar de comida muito quente, seja lá que tipo de comida for. É isso, só pode ser isso.

    O amor não estava quente, "tórrido", e portanto, não o "comeu", embora tivesse estado à "mesa", tivesse "pago", mas não se "serviu" dele. Deveríamos todos proceder desta forma, tendo eu a certeza de que se o fizéssemos, não haveria a tendência ou mesmo a necessidade de procurarmos outras "comidas, "outros restaurantes", mas há muita gente de boa boca, ou melhor, já nem têm paladar.

    Gostei muito da interpretação de Chico Buarque. Parabéns pelas tuas escolhas.

    Beijinhos e uma boa semana!

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    1. Antes de mais, Céu, muito obrigada pelo teu interesse. Está tudo bem comigo e com os meus e espero sinceramente que o mesmo se passe contigo, principalmente no que respeita à saúde. Eu não conhecia este poema de Alvaro de Campos e quando o ouvi na voz de Chico achei-o muito interessante, embora estranho. Sabes uma coisa que me surpreendeu quando cheguei ao Brasil em 76 ? O interesse dos brasileiros por Fernando Pessoa. Apesar de ser de letras e ter estudado literatura, pelo menos naquela época não notava entre os portugueses esse fascínio por Pessoa que notei no povo brasileiro.Quanto à interpretação , não sei por que comparou o amor à dobrada à moda do Porto; talvez ele goste muito desse prato, mas, claro, quente; frio, concordo, não " presta " Eu gosto de tudo, mas não aprecio dobrada ; quando a como ( raramente ) tem que ser quente, aliás, toda a comida, tem de ser quente. Claro, que se tivessemos a coragem de fazer como Pessoa o amor começaria a vir com a temperatura que dele se exige, amena, pelo menos... Amor frio não consola, não aquieta a nossa alma; mais vale " puxar a toalha " e tudo se espatifar no chão, pratos, talheres, copos e...toda a dobrada, mesmo quente. Há quem goste dela fria e portanto o melhor é escolher a temperatura adequada " refinar " o paladar e servir-se calmamente saboreando cada pedaço que se mete à boca. O amor tem que ser assim, bem temperadinho, ao gosto de cada um; os temperos são sempre muito pessoais, muitas vezes até guardados " em segredo ". Obrigada pela tua interpretação, Céu, pois gostei muito. Volta sempre, amiga! beijinhos
      Emília

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  6. Boa tarde, acontece por vezes sentirmos frio mesmo nos pratos quentes, a vida é estranha, origina imerecidamente o inesperado que magoa.
    AG

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    1. Mas isso acontece tantas vezes, não António? Magoa quando esperamos afeto e vem " um balde de água fria ". Mas...temos que estar preparados para isso. Muito obrigada pelo carinho da visita. Um beijinho e até sempre!
      Emília

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  7. Olá, Emília.
    Pessoa era estranho. Contra isso, nada. Também eu sou estranha...
    Mas, por detrás das palavras, esconde-se tanta coisa, como que a provocar quem as lê, obrigando a um jogo de adivinhações ou criando um puzzle em que a lógica não domine.
    Ainda há poucas semanas lembro-me de ter comentado este texto, e interpretei-o de uma forma - das n possíveis, pois aqui, fazemos o papel do "investigador da intenção de Pessoa" - rrrrrrssssssssssss
    Neste momento, ocorreu-me uma outra forma de decifrar o enigma: chamará ele "restaurante" a outro espaço que se encontra "fora do espaço e do tempo"?
    Estaria ele num espaço em que se "paga por amor"?
    Escolheu como prato a "dobrada" - abraço.
    O quer quente, por isso "dobrada à moda do Porto" - povo considerado caloroso.
    Falou com o "missionário da cozinha" - missionário, aqui, remete-me para uma vulgar posição no ato de amor(?).
    Alega que na infância toda a gente teve um jardim de que era dono - no jardim em que ele tentou brincar, não era dono de nada, tinha que pagar, mesmo sem ter sido bem servido, mesmo sem ter brincado, mesmo sem ter conseguido um amor quente: porque amor comprado não é quente.

    Olha, Emília, hoje deu-me para seguir essa linha de raciocínio. Vindo de Pessoa, achas despropositado? Quem o dirá?
    * lido na voz dum "malandro" brasileiro que tem uma voz - em minha opinião =) - sedutora, está "prá lá de bom!

    Um bj amg

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    1. Mas que maravilha de dissertação sobre as possíveis " ideias " de Pessoa ao escrever este poema.. Como bem dizes, a única coisa que podemos fazer ao ler um poema ou a observar uma pintura é fazer a nossa interpretação, porque nunca saberemos o que estaria a imaginar o " artista" aquando da realização da obra. Fiquei fascinada com as diversas opções que deste às intenções do nosso Pessoa e quero-te dizer que não tinha pensado nessa hipótese do amor que tem de ser pago e que nem sempre é quente e muito menos na tal posição no ato de amor Até me fizeste rir, amiga e não acho nada despropositada a tua interpretação. Vindo de quem vem nada é impossivel e se o Chico escolheu este poema por algum motivo foi, dado ser ( na minha opinião também ) um " malandro brasileiro" com uma voz e uma presença muito sedutoras. Olha Céu, confesso que não conhecia este poema, mas quando o ouvi na voz de Chico, achei-o muito interessante e resolvi partilhar. Fiz bem,, pois, pelos vistos, já fez com que tu te tivesses debruçado sobre ele duas vezes e, de uma maneira fantástica, pelo menos aqui. Adorei, querida Carmém.! Muito obrigada pelo belo comentário e quem sabe, não nasce aqui um belo dum debate? Beijinhos e até sempre.
      Emília

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    2. Desculpa, mas há aí uma altura em que te tratei por Céu. Bem...penso que entendes, visto ter acabado de responder ao comentário dela. Que cabecinha!!!
      Emília

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  8. Pensei igual a nossa querida amiga Carmem. E ela já disse tudo e sabiamente dito.
    Muito interessante esse poema Emilia, eu não o conhecia apesar de ser fã de Chico Buarque desde os meus 12 anos de idade. Um grande abraço.

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    1. Olha, Lourdinha, eu também não conhecia, apesar de ser portuguesa e pt com obrigação de conhecer bem o nosso Pessoa e este seu heterónimo. também adoro o Chico e estes dois senhores juntos conseguiram esta maravilha. Também gostei muito da interpretação da nossa amiga Carmem; está muito interessante e, diga-se, engraçada. obrigada, querida amiga pela visita e desejo-te um bom fim de semana
      Emília

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  9. Querida amiga

    Como não gostar
    de um belo poema,
    na voz de um maravilhoso poeta?
    Um presente para a alma
    nesta final de tarde...

    Um imenso abraço.

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    1. Que bom, Aluísio! Fico muito feliz que te tenha agradado a minha publicação.. São dois grandes senhores que muito deram e dão à lingua Portuguesa. Muito obrigada pela visita. Um beijinho e até breve.
      Emília

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  10. Não conhecia este poema, gostei imenso.

    Beijinhos e um bom fim de semana

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    1. Eu também não conhecia Rita e quando o vi declamado pelo Chico achei fantástico. Rita, estarei de férias durante uma semana e portanto não terei como visitar o teu cantinho. Logo que chegue far-te-ei uma visita. Muito obrigada pelo carinho. Beijinhos
      Emília

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  11. Duas excelentes escolhas (a do Chico Buarque e a do Fernando Pessoa).
    Emília, há muito tempo que gosto do que publica no seu blogue.
    Por isso, estou certo que vou continuar a passar por aqui muitas vezes.
    Saudações poéticas.

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    1. Muito obrigada, Jaime, pela visita e pela simpatia Fico muito feliz que tenha gostado do Começar de Novo e que " passe por aqui muitas vezes ". Será sempre muito bem recebido.Um beijinho e até sempre!
      Emília

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  12. Álvaro de Campos o homem da "Ode triunfal", do "Opiário" mas também de "Todas as cartas de amor são ridículas". Tão diferente e tão igual a si próprio seguindo os impulsos do seu criador quando queria exprimir através dele "toda a emoção".
    Fernando Pessoa, ser múltiplo, talvez como todos nós, só que com o seu génio soube transpor para fora do seu "eu" todos os "eus" que fervilhavam dentro de si. Com a "dobrada à moda do Porto fria" criou uma metáfora, quem sabe querendo falar de algo transcendente ou tão-só pretendendo falar apenas do prato. Nunca se sabe.
    Quando ele, ortónimo, fala tão simplesmente dos "Sinos da minha Aldeia", criando com o leitor uma linha de emoção invisível e ao mesmo tempo palpável, sentimo-lo como um de nós mas também a pairar num nível acima de qualquer expectativa.
    Da mesma forma, em Alexander Search vêmo-lo, miúdo ainda, a tratar temas sérios com tanta propriedade que nos espanta (ex:"Homens do Presente"). Mas, em Alberto Caeiro, O Mestre, como ele próprio dizia, ou o poeta das sensações, tomamos contacto com "O Guardador de Rebanhos" em que a simplicidade da vida ( em termos retóricos) ganha forma e nos coloca em puro recolhimento.

    Querida Emília, muito obrigada por estes belos momentos. Desejo-te um fim-de- semana feliz, cheio de Sol.

    Beijinhos

    Olinda

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    1. Quem tem de agradecer , sou eu, Olinda. Aprendo sempre muito não só quando visito o Xaile de Seda mas também aqui muito com os teus comentários sempre cheios de informações complementando em muito o que aqui publico . Depois de te ler, cheguei à conclusão de que pouco sei sobre o nosso Fernando Pessoa e todos os seus " eus que fervilhavam dentro dele " A literatura que aprendi há muito se foi e agora com o blog estou a recuperar aquilo que foi esquecido. Mais um motivo para agradecer ao Começar de Novo e a todos os outros blogs que me dão a oportunidade de reviver assuntos que se vão perdendo.
      Quanto às razões de Pessoa para falar deste prato, só ele as conhece e pode ser que adorasse a dobrada à moda do Porto e a quisesse imortalizar. Não acho muito provável, mas....
      Olinda, estarei de férias uma semana e por isso não estranhes a minha ausência. Logo que volte far-te-ei uma visita, certo? Fica bem, amiga e mais uma vez, muito obrigada pelo belíssimo contributo dado a esta publicação. Que os teus dias sejam sempre iluminados. Um beijinho e até breve.
      Emília

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    2. Boas férias, querida amiga, e obrigada por teres ido ao Xaile antes da partida.

      Cá te esperamos.:)

      Beijinhos

      Olinda

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    3. Boas férias, querida amiga, e obrigada por teres ido ao Xaile antes da partida.

      Cá te esperamos.:)

      Beijinhos

      Olinda

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    4. Já voltei, Olinda! gostei muito do México, onde passei esta semana. Foi muito bom. Beijinhos
      Emília

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  13. OI EMÍLIA!
    COMO SE DIZ POR AQUI, HÁ PRATOS QUE MESMO NÃO QUERENDO, SE COME CRU.
    UM TEXTO METAFÓRICO, MAS, CHEIO DE MENSAGENS.
    ABRÇS
    -http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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    1. É verdade, Zilani, há alturas em que se tem de engolir muita coisa, frio...cru...e muitas vezes cheio de espinhas. Na vida há de tudo e há que comer sem reclamar. Obrigada, querida amiga e até daqui a uma semana. Como disse acima vou tirar uns dias de férias, mas tenho a certeza que os amigos me esperarão. Um beijinho e fica bem!
      Emília

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  14. Bom dia, Emília
    Óptimo texto de Pessoa (heterónimo Álvaro de Campos) muitíssimo bem "dito" por Chico Buarque.
    Com significado profundo, faz-nos lembrar, com palavras subtis, que muitas vezes temos que "engolir sapos", e o melhor é "ir passear para a rua"e tentar espairecer.
    Assim é a vida.
    Gostei imenso desta postagem.

    Um beijo
    MIGUEL / ÉS A MINHA DEUSA

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    1. Muito obrigada, Miguel. Cada um irá interpretar este poema a seu jeito, dado que só mesmo Fernando Pessoa sabe o que queria com esta comparação, Muitas vezes somos obrigados a comer o que nos colocam no prato e o remédio é faze-lo sem reclamar . A vida manda e muito. Um beijinho e até sempre.
      Emília

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  15. Passei para ver as novidades...
    Emília, tenha um bom resto de semana.
    Beijinhos.

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    1. Olá Jaime. Estive de férias uma semana e por isso não encontraste novidades. Agora já as tens. Muito obrigada pelo interesse. Fica bem. Um beijinho
      Emilia

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  16. Um lindo poema de Alvaro de Campos na voz de Chico achei-o muito interessante. Excelente comparação. Uma ótima escolha em compartilhar.
    Uma ótima semana cheia de sorrisos e calor do sol.
    Um beijo embrulhado num abraço!

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    1. Achei este poema muito interessante e, como não o conhecia resolvi partilhar. Fico contente que tenhas gostado, Semareis. Volta sempre. Beijinhos
      Emília

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