COMEÇAR DE NOVO... E CONTAR COMIGO... VAI VALER A PENA... TER AMANHECIDO... TER ME REBELADO... TER ME DEBATIDO... TER ME MACHUCADO... TER SOBREVIVIDO... TER VIRADO A MESA... TER ME CONHECIDO... TER VIRADO O BARCO... TER ME SOCORRIDO... COMEÇAR DE NOVO ......
quinta-feira, 17 de janeiro de 2019
ÁFRICA
Foto - net
Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
— Infinito: galé!...
Por abutre — me deste o sol candente
E a terra de Suez — foi a corrente
Que me ligaste ao pé...
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal
Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.
Por tenda tem os cimos do Himalaia...
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais ...
A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama,
— Pagodes colossais...
A Europa é sempre Europa, a gloriosa!...
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.
Artista — corta o mármor de Carrara;
Poetisa — tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã!...
Sempre a láurea lhe cabe no litígio...
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
Universo após ela — doudo amante
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz. ....................................
Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...
E nem tenho uma sombra de floresta...
Para cobrir-me nem um templo resta
No solo abrasador...
Quando subo às Pirâmides do Egito
Embalde aos quatro céus chorando grito:
"Abriga-me, Senhor!..."
Como o profeta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areal que volve
O siroco feroz...
Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz... "
Nem vêem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.
De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim ...
Onde branqueia a caravana errante,
E o camelo monótono, arquejante
Que desce de Efraim .......................................
Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor?Que torvo crime eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?! ........................................
Foi depois do dilúvio... um viadante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
Descia do Arará...
E eu disse ao peregrino fulminado:
"Cam! ... serás meu esposo bem-amado...
— Serei tua Eloá. . . "
Desde este dia o vento da desgraça
Por meus cabelos ululando passa
O anátema cruel.
As tribos erram do areal nas vagas,
E o nômade faminto corta as plagas
No rápido corcel.
Vi a ciência desertar do Egito...
Vi meu povo seguir — Judeu maldito
— Trilho de perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa — arrebatada
— Amestrado falcão! ...
Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo
, Eu — pasto universal...
Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara-se em abutre
,Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...
São Paulo, 11 de junho de 1868 - Vozes D'África de CASTRO ALVES
Infelizmente. o " brado " continua a não ser escutado
Emília Pinto
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Um fado adverso... um grito sufocado, esmagado...
ResponderEliminarNão conhecia... Obrigada pela partilha...
Beijos e abraços
Marta
É verdade, Marta, " um grito, sufocado, esmagado", mas que continua a não ser ouvido. A África ainda é muito discriminada. Um beijinho e obrigada pela visita.
EliminarEmilia
Um poeta que morreu aos 24 anos, imagino como sofreu por conviver de perto com a escravidão. Belíssimo poema, quase um salmo...
ResponderEliminarObrigada pela partilha, Elvira. As vozes d'África ecoam por toda a terra.
Um forte abraço!
Sandra
Sim, Sandra, nós só " ouvimos falar ", mas ele conviveu com toda essa barbárie feita por humanos contra humanos irmãos. Um beijinho e até breve. Desejo-te um bom domingo
EliminarEmilia
Olá, querida amiga Emília!
ResponderEliminarNão faz muito tempo vi um documentário no YouTube com o nosso poeta Lêdo Ivo, membro da Academia Brasileira de Letras, que, perguntado qual é o melhor poeta brasileiro respondeu com toda franqueza: Castro Alves.
É claro, Emília, que escolher o melhor poeta depende de tudo o que envolve o "faer poesia", mas não apenas isso, pois fica em jogo o gossto do leitor ou do crítico literário (Lêdo Ivo foi, além de poeta e romancista, crítico literário).
Parabéns, Emília, por compartilhar conosco este belíissimo poema de Castro Alves.
Um final de semana com muita paz e alegria.
Beijo.
Pedro
Obrigada, Pedro! Não conheço Lédo Ivo, mas vou pesquisar . Gostei muito deste poema, porque trata um tema que infelizmente continua, embora com outros contornos. Não falta por aí trabalho escravo e a África continua com muitos problemas até hoje. Beijinhos e desejo-te muita saúde, pois ela é o nosso bem maior.
EliminarEmilia
Um poema inquietante do excelente poeta brasileiro Castro Alves. Um clamor, um brado, uma prece perante tanto sofrimento e tanta injustiça… Mas os brados continuam cada vez mais fortes. Onde está Deus?...
ResponderEliminarUm bom fim de semana, Emília.
Um beijo.
Querida Graça, essa pergunta faço-a eu muitas e muitas vezes. E, quando olho, por exemplo para os meus netinhos, a pergunta tem de surgir: po que são eles tao abençoados e tantas outras crianças morrem de fome, em guerras e afogadas no Mediterrâneo? Prefiro dizer: a vida é assim, nem sempre bela, nem sempre maravikhosa; para muitos ela é extremamente injusta. Se pensar assim, não fico tão zangada, Graça. Obrigada, querida amiga, pelo carinho. Tudo de bom para ti e para os teus. Um beijinho
EliminarEmilia
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
Eliminarpoema para ser lido alto e claro!
ResponderEliminare afixado nas esquinas das cidades como libelo acusatório.
goste muito de reler aqui ...
beijo, amiga EMÍLIA
Tens razão, Manuel, este poema , ainda hoje pode ser considerado " um libelo acusatório", pois, muito de que se queixa o autor ainda se vê por todo o lado e a África continua a sofrer muito com guerras, corrupção e fome. Um beijinho, amigo e muito obrigada pela visita
EliminarEmilia
Castro Alvez , nosso maior poeta lirico e épico. Um poema que até hoje clama por liberdade. Liberdade essa , ilusória aos nossos olhos nesse tempo de miragens.... Como sempre , querida Emilia, nos traz a nata da poesia , nos enriquecendo e nos fazendo ir ao aprendizado. parabéns pela belíssima escolha e postagem. Beijo grande. Feliz semana.
ResponderEliminarOlá Beto! Gostei muito deste poema e, embora pensemos que este " grito " não faz sentido nos dias de hoje, ele continua actualizado, pois, infelizmente pouca coisa mudou em relação a este continente e ao seu povo. A discriminação continua e o trabalho escravo também, até mesmo com crianças. Obrigada Beto e tudo de bom. Um beijinho
EliminarEmilia
Querida Emília
ResponderEliminarDesejo-te saúde ao lado de toda a Família.
Trouxeste-nos um poema que é realmente um grito de revolta, um lamento, uma prece. O poeta, no seu poema, faz uma viagem pelo mundo, apontando as bênçãos atribuídas a cada recanto, terminando por mostrar as injustiças perpetradas em relação a África, de uma forma global. É um tema que importa não esquecer e nunca é demais referirmo-nos a ele, lendo e divulgando tudo aquilo que estiver ao nosso alcance. A escravatura e outras formas de humilhação marcaram-nos para sempre, explorados e exploradores, e é nossa obrigação fazer o possível e o impossível para que tal não se repita.
O problema é que hoje em dia continuamos a ter notícias de várias formas de escravidão o que mancha sobremaneira essa Sociedade que se crê evoluída. É hora de pormos a mão na consciência e cada um de nós fazer a sua parte tendente a construirmos um mundo melhor.
Querida amiga, tudo de bom para e para ti.
Beijinhos
Olinda
Infelizmente pouca coisa mudou, querida Olinda! Continuamos a ver horrores praticados contra seres humanos, continuamos a ter trabalho escravo, continuamos a ver tráfico de crianças, continuamos a ver uma Africa com fome, com corrupção e muita discriminação por parte de quem se acha inserido numa raça superior. E, sim, hora de fazermos a nossa parte para que, pelo menos à nossa volta, estes actos não se vejam. Somos pequenos para mudarmos o mundo, mas somos grandes o suficiente para levantarmos a voz quando actos desses são cometidos junto a nós. Amiga, muito obrigada pela tua opinião sobre o tema e desejo-te um bom dia, com saúde para todos. Um beijinho
EliminarEmilia
Querida Emília, toda a exposição num triste poema numa das maiores manchas e sofrimento da humanidade praticado por seres humanos. Chamado o 'Poeta dos Escravos'. A maior figura do 'Romantismo' morreu em Salvador - julho de 1871 de tuberculose.
ResponderEliminarGostei de ler aqui, querida amiga!
Um beijo e uma linda semana.
Um verdadeiro lamento, um grito de grande revolta é este poema de Castro Alves, Tais. Infelizmente um grito que ainda hoje se ouve por todo o lado, mas que não é escutado por quem detém o poder. Há certas situações que não mudam, porque outros interesses se sobrepõem. Obrigada, querida amiga e fico contente que tenhas gostado. Um beijinho
EliminarEmilia
Concordo com o Manuel! Este poema devia estar afixado em todo o lado do Mundo!
ResponderEliminarTodo o ser humano tem direito à liberdade, ao respeito, à felicidade...
Obrigada pela linda partilha
"Um Oceano entre nós - FINAL"
Também concordo com ele, amiga, porque, infelizmente, ainda hoje há todo o tipo de acções descritas neste poema, talvez em menor escala e diferentes contornos, mas existem e seria bom que todos os seres humanos fossem tratados da mesma maneira, um beijinho e obrigada pela visita
EliminarEmilia
Um poema impressionante.
ResponderEliminarObrigado pela partilha.
Emília, continuação de boa semana.
Beijo.
Também o achei " impressionante ", Jaime! Um poema que retrata bem as " desgraças " do continente africano , muitas das quais continuam até hoje. Um bom fim de semana e obrigada.. Beijinhos
EliminarEmilia
Um poema sublime!!!
ResponderEliminarBeijinhos
Maria
Divagar Sobre Tudo um Pouco
Obrigada, Maria! É sempre um gosto ver-te por cá. Beijinhos e um bom fim de semana
EliminarEmilia
Oi Emília,
ResponderEliminarTudo muito triste sim, mas a maldade não se cria sozinha.
Pais despreparados geram filhos egoístas e hipócritas.
Tudo é permitido até chegarmos esse descaso humano.
Animais tem melhores tratamentos que gente.
No momento atual mudou-se só a abordagem dos desatinos.
Onde tudo isso vai parar não sei..
Bela partilha.
Continuação de um bom final de mês.
É verdade, Janice, os " animais são melhor tratados que gente " e também os animais se comportam melhor que o ser humano. E as coisas continuam mais ou menos do mesmo jeito, amiga. Obrigada pela visita e um bom fim de semana. Um beijinho e até Março.
EliminarEmília
Depois do primeiro (que não consigo reproduzir) aqui vai o segundo.
ResponderEliminarNunca tinha ouvido falar do poeta (vou pesquisar tudo), e este poema/grito/fado adverso, não esquecerei jamais.
"Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz... "
(Já tirei da estante do maridão os dois volumes da HISTÓRIA DA ÁFRICA NEGRA, de Joseph Ki-Zerbo. Agora, lerei!)
Obrigada querida amiga, por aqui dares voz à sofredora mãe África.
Beijo.
O poeta eu já conhecia, mas o poema não e fiquei impressionada com ele; de facto este continente sempre foi muito " sofredor " e o seu povo até hoje sofre humilhações constantes., quer pelos seus governantes, quer pelos outros que só se preocupam em explorar as riquezas lá existentes. Teresa, muito obrigada pela visita e fico muito contente por te dar a conhecer este escritor brasileiro. Desejo-te um fim de semana agradável, de preferência com menos frio e deixo-te um abraço carregadinho de amizade.
EliminarEmilia
Um poema absolutamente impressionante... que nos descreve... os sucessivos dramas, com que o continente africano e as suas gentes se defrontam... hoje... e no passado... um continente absolutamente fascinante... de uma riqueza desconcertante... mas sempre a braços, com tanta tragédia e pobreza... ao longo dos tempos e da história... devido a causas sociais, religiosas, políticas, ou naturais...
ResponderEliminarPara ler e reler!... Mais uma partilha de excepção, Emília!... Adorei!!! Beijinho
Ana
Que bom, Ana! Fico muito feliz que te tenha agradado tanto. Acho que este continente continua a sofrer muito, apesar da riquezas naturais de alguns paises que acabam por ficar na mão dos governantes corruptos, enquanto o povo permanece na miséria. É assim, Ana, as mentalidadee custam a mudar e tudo continua praticamente igual Agradeco-te o carinho de teres vindo, também aqui, comentar este post. Gosto muito de conhecer a tua opinião sobre os assuntos que trago através de poemas ou textos. Espero que a tua mãe esteja a recuperar bem e que depressa tudo volte à normalidade. Um beijinho e muito obrigada
EliminarEmilia
Foto. Não são mãos de preto. São sim mãos pintadas ou engraxadas de preto.
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