COMEÇAR DE NOVO... E CONTAR COMIGO... VAI VALER A PENA... TER AMANHECIDO... TER ME REBELADO... TER ME DEBATIDO... TER ME MACHUCADO... TER SOBREVIVIDO... TER VIRADO A MESA... TER ME CONHECIDO... TER VIRADO O BARCO... TER ME SOCORRIDO... COMEÇAR DE NOVO ......
quinta-feira, 21 de julho de 2016
RESÍDUO
De tudo ficou um pouco Do meu medo. Do teu asco. Dos gritos gagos. Da rosa ficou um pouco
Ficou um pouco de luz captada no chapéu. Nos olhos do rufião de ternura ficou um pouco (muito pouco).
Pouco ficou deste pó de que teu branco sapato se cobriu.
Ficaram poucas roupas, poucos véus rotos pouco, pouco, muito pouco.
Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada, de duas folhas de grama, do maço - vazio - de cigarros, ficou um pouco. Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco nos muros zangados, nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo no pires de porcelana, dragão partido, flor branca, ficou um pouco de ruga na vossa testa, retrato.
Se de tudo fica um pouco, mas por que não ficaria um pouco de mim? no trem que leva ao norte, no barco, nos anúncios de jornal, um pouco de mim em Londres, um pouco de mim algures? na consoante? no poço?
Um pouco fica oscilando na embocadura dos rios e os peixes não o evitam, um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira pinga esta gota absurda, meio sal e meio álcool, salta esta perna de rã, este vidro de relógio partido em mil esperanças, este pescoço de cisne, este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco: de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga, de tudo ficou um pouco; vento nas orelhas minhas, simplório arroto, gemido de víscera inconformada, e minúsculos artefatos: campânula, alvéolo, cápsula de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco
. E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro da memória.
Mas de tudo, terrível,
fica um pouco, e sob as ondas ritmadas e sob as nuvens e os ventos e sob as pontes e sob os túneis e sob as labaredas e sob o sarcasmo e sob a gosma e sob o vômito e sob o soluço, o cárcere, o esquecido e sob os espetáculos e sob a morte escarlate e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes e sob tu mesmo e sob teus pés já duros e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo. Às vezes um botão. Às vezes um rato
Carlos Drummond de Andrade
Vai depender de nós, se, depois de tudo, o pouco que ficar for um botão ou um rato
Emilia Pinto
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Memória . Cofre aberto esperando acontecimentos. Cofre aberto guardando recordações. Cofre que se fecha guardando segredos . Cofre abrindo e fechando conforme a saudade . E com um pouco de tudo . Até o nada pode ser tanto!
ResponderEliminarLindo post Emília !
Beijinhos !
E, quando não mais pudermos abrir esse cofre, quando ele se fechar para sempre com certeza no cofre dos que nos rodeiam, na memória daqueles a quem amamos e que nos amaram ficará um pouco de tudo aquilo que representamos nas suas vidas; tentemo para que seja um botão, uma simples pétala, pelo menos. Querida Manuela, que nesse cofre que tantas vezes abres te saiam sempre pétalas, umas vezes perfumadas, outras vezes orvalhadas de saudade; são lindas estas também. Beijinhos e muito obrigada.
EliminarEmilia
Que fique um nome...Pode significar tudo...mesmo que pareça ser o nada.
ResponderEliminarUm texto muito interessante e actual. Gostei muito...
Beijos e abraços
Marta
E um nome pode representar muito, dependendo das acções realizadas por esse nome ; nomes que não saiem da minha memória, outros que tento varrer a todo o custo com medo que deles saia um rato. Obrigada, Marta, pelo carinho. Tudo de bom, amiga! Beijinhos
EliminarEmilia
Somos feitos de memórias, filhos das nossas acções , um legado que deixamos. Pensemos nisso e tentemos deixar o melhor da nossa vida...
ResponderEliminarMagnífico texto, para ler e reflectir.
Beijinhos.
Como diz Augusto Cury, a pessoa fica eterna no significado que deixou na vida dos que com ela conviveram, por isso Lisa, devemos preocuparnos com o legado que deixamos para que de tudo o que vivemos fique pelo menos um pouco e que seja de ternura esse pouco, Obrigada, querida amiga e espero que estejas bem, tu e os teus. Um beijinho
EliminarEmilia
Boa noite Emília,
ResponderEliminarÓtimo texto para reflexão. De tudo, levamos e deixamos um pouco, impresso em forma de recordações.
Algumas acalentam, outras entristecem, resta a nós saber o valor ou peso que daremos a cada uma.
Um abraço,
Sônia
Olá Sonia. Deixamos, sim um pouco também e devemos tentar que os nossos actos deixem boas recordações. Muita coisa, muitas pessoas recordamos e assim vamos caminhando com todas essas lembranças que de nós fazem parte. Muito obrigada pelo carinho e desejo-te um bom fim de semana. Beijinhos
EliminarEmilia
Emília,
ResponderEliminarUma maravilha esse poema de Carlos Drummond de Andrade, um dos nossos três maiores poetas. E quem declama o poema é o saudoso Paulo Autran, um dos maiores atores que tivemos. Parabéns.
Abraço.
Pedro.
Gosto muito de Carlos Drummond e já postei muitas coisa dele; achei este poema uma delicia e ainda mais por ser declamado pelo Paulo Autran. Uma frase dele me ficou na memória, numa entrevista que ouvi; disse ele: " gosto de ser velho, sim, pois é sinal de que não morri novo " Deixou um importante legado e por isso dele ficou muito. Obrigado, Pedro e um bom fim de semana. Um beijinho
EliminarEmilia
Fica sempre muito Emília,mais até do que precisaríamos.
ResponderEliminarO texto é completo,quantos...quantos nadas ficam quando tudo já se foi!doces e amargas mas todas reais.
Gostei muito , Drummond deixou um legado digno de ler e reler.
um abraço e bom fim de semana Emilia
Fica sempre muito Emília,mais até do que precisaríamos.
ResponderEliminarO texto é completo,quantos...quantos nadas ficam quando tudo já se foi!doces e amargas mas todas reais.
Gostei muito , Drummond deixou um legado digno de ler e reler.
um abraço e bom fim de semana Emilia
É verdade, Lis, tudo o que fica, por mais amargo que seja, pertence-no, fazem parte da nossa vivência. O legado de Drummond foi enorme e por isso dele ficou muito ; ficou um botão que nunca murchará. 8brigada amiga e um bomfim de semana. Beijinhos
EliminarEmilia
Fica muito , no inicio . Mais que o necessário . Lentamente reduz-se apenas ao bom , até mesmo para nossa tranquilidade e paz .E muitas vezes até uma amizade é possível .
ResponderEliminarGosto muito Carlos Drummond de Andrade e deste poema .
Obrigada pela partilha .
Beijo grande , Amiga Emília e bom fim de semana ,
Maria
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarFica muito de dor, muito de alegria, de erros e de acertos; as dores aos poucos vao-se atenuando e dando lugar a uma saudade nostálgica. É bom que assim seja, como bem dizes, para que continuemos com " serenidade e paz. Um dia, de nós também algo ficará e por pouco que seja, uma simples pétala já seria bom. Vamos fazer todos os possiveis para que de tudo não fique, de jeito nenhum, um rato. Maria, muito obrigada pela visita e carinho. Fico feliz que o poema te tenha agradado. Até breve e um bom Domingo
EliminarBeijinhos
Emilia
Desconheci.
ResponderEliminarPor vezes, fica muita mágoa, muita dor...e talvez não fosse necessário ser assim se houvesse respeito.
Boa semana , Mila
Tens razão, São, muita dor e muita magoa seriam evitadas se houvesse mais respeito entre as pessoas, no entanto há muitas outras que mesmo com respeito, não conseguimos evitar. Devemos por isso, fazer a nossa parte e tentar que, depois de tudo,de nós não fiquem ressentimentos nos outros. Erramos todos os dias, claro, mas que esses erros sejam passiveis de emenda e que com eles aprendamos a ser melhores. Obrigada, amiga e que tenhas sempre a capacidade de esquecer as mágoas e seguir em frente com a alma serena. Um beijinho e até breve.
EliminarMilia
Este texto do Drummond é soberbo.
ResponderEliminarObrigado pela partilha, querida amiga.
Emília, tem uma boa semana.
Beijo.
Também gostei muito, Jaime. Gosto da obra de Carlos Drummond e achei muito interessante a interpretação feita pelo Paulo Autran. Muito obrigada e fico feliz que tenhas gostado. Um beijinho, Jaime.
EliminarEmilia
Não o referi, mas também gostei da interpretação do Paulo Autran.
EliminarEmília, tem um bom resto de semana.
Beijo.
Obrigada, Jaime por teres voltado cá. Todos conhecem o saudoso Paulo Autran, mesmo aqui em Portugal, isso porque ele teve um percurso incrivel e o que dele ficou foi muito, muito mesmo.. um beijinho
EliminarEmilia
Que partilha extraordinária...
ResponderEliminarBelo e grandioso texto... e o pouco do tempo que fica... para nós é tudo... e tanto... que nem nos damos conta, que o tempo passa assim... e a vida é feita desses pequenos nadas do tempo...
Beijinhos! Feliz semana!
Ana
Obrigada, Ana pelo carinho da visita. Os pequenos nadas valem muito e é pena que os desvalorizemos tanto. A simplicidade de um botão é uma pequena maravilha que desabrocha, se abre para nós, murcha e nós nem nele reparamos; quando damos conta só dele ficou o triste caule. Saibamos diminuir o passo para que o escuro da noite não caia tão depressa sobre nós. Ler este texto de Drummond é um pequeno nada que nos enriquece e nos leva a reflectir no sentido que queremos dar aos dias que aqui nos restam., Beijinho, amiga e fica bem
EliminarEmilia
OI EMÍLIA1
ResponderEliminarQUE SEJA UM BOTÃO, NOSSA ESCOLHA.
BELO TEXTO DE DRUMMOND QUE POR TUA SENSIBILIDADE, CHEGOU A NÓS.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Deve ser essa a nossa preocupação, Zilani, deixarmos pelo menos uma pétala colorida. Estarei ausente uma semana, querida amiga e quando chegar irei aí tomar um cafezinho, certo? Até lá! Beijinhos e muito obrigada,
EliminarEmilia
Mas que espetáculo esse poema de Drummond, e na voz de Paulo Autran??
ResponderEliminarchega a ser covardia, rss
De tudo fica um pouco... Seria bom se não ficasse um pouco de tudo, talvez as criaturas seriam mais felizes... Tantas mágoas que ficam, tantos traumas, tantas saudades.
Que partilha, amiga!
beijo.
A vida é feita desse tudo, Tais e por isso é natural que de tudo fique um pouco de magoa, de raiva, de desespero, de saudade, mas o que é importante é que façamos tudo para que de nós fique uma saudade naqueles que amàmos e que nos amaram; seria bom que não deixassemos em ninguém vestigios, residuos de ódio, de raiva, de resentimentos. Fico muito feliz que te tenha agradado tanto, amiga! Que bom! Um beijinho e até à minha volta, mais ou menos daqui a uma semana.
EliminarEmilia
Boas férias
ResponderEliminarBom regresso
Bj
Obrigada, querido amigo! Visitarei esse teu " mar arável" quando chegar. Fica bem! Um beijinho
EliminarEmilia
Olá, querida amiga
ResponderEliminarSim, fica um pouco de tudo. Mas a nossa máquina é tão perfeita que vai seleccionando aquilo de que nos devemos lembrar. Isso é bom para o nosso equilíbrio. É certo que, de vez em quando, mais vezes do que o desejável, sentimos uma dorzinha bem funda, de certos desgostos, mágoas, coisas mal resolvidas, saudades...Momentos agradáveis, passeios, convívios, isso sim, são coisas que nos fazem bem recordar. E se os outros nos lembrarem nestes parâmetros, penso que já vale a pena termos passado por este mundo.
Belo texto este de Drummond. Gostei muito.
Um bom fim de semana,querida Emília.
Beijinhos
Olinda
É verdade, Olinda, se procurarmos os momentos bons com os outros, com certeza deixaremos uma boa lembrança neles; não serão os grandes feitos, imóveis e outros bens que nos farão eternos nas suas memórias, mas sim as coisas simples, os gestos de simpatia, amizade e amor que ficarāo. É com isso que nos devemos preocupar. Amiga, estarei ausente por uma semana e logo que possa estarei no xaile para um cafezinho. Tudo de bom, querida amiga e obrigada pelo carinho da visita. Um beijinho e um bom fim de semana
EliminarEmilia
Oi,tenho uma neta que nasceu prematura em 2014,ela é uma guerreira,já passou por muitas coisas e venceu.
ResponderEliminarÉ uma menina esperta,mas ainda não anda. Para continuar o seu tratamento para que ela possa andar. precisamos de 13.000,00,pois esse é o custo do tratamento. não temos condisções de arcar com mais esta despesa.
Por isso hoje estou aqui pedindo a colaboração de vocês com qualquer quantia, também peço que ore por nós,porque precisamos, eu sei que juntos seremos mais.
Esse é o link caso for colaborar.
Atenciosamente
Célia Lima
https://www.vakinha.com.br/…/ajude-uma-guerreira-…/contribua
Tenho a certeza Celia que vai conseguir que a sua netinha recupere. Desejo de todo o coração que ela vença esse problema. Fico pedindo por ela. Um beijinho, amiga e muita força para todos.
EliminarEmilia
Passando, apenas para deixar um beijinho, nestes dias em que farei uma pausa, no blogue.
ResponderEliminarConto estar de volta, à blogosfera mais para o final do mês!
Até breve, Emília! Um excelente mês de Agosto, e umas boas férias, se for o caso...
Ana
Muito obrigada, Ana por ter vindo cá e desejo-lhe umas boas férias, com momentos felizes e muito sol. Até breve, amiga e aproveite. Beijinhos
EliminarEmilia
Minha querida Emília
ResponderEliminarNão vou alongar-me em palavras apenas por falta de tempo... mas direi que adoro Carlos Drummond de Andrade, que gostei imenso deste texto, que não conhecia, e que a interpretação de Paulo Autran, de saudosa memória, é espectacular.
Eu espero também deixar um pouco...
Como habitualmente vou ausentar-me durante Agosto e Setembro. Não queria fazê-lo sem me despedir…
Logo à tarde embarco numa viagem de sete horas (com escala…) para uma praia paradisíaca. No regresso ao blog, em Setembro, publicarei fotos - espero!
Deixarei programadas três postagens, a primeira das quais para o próximo dia 6. As restantes têm lá as datas anunciadas.
Bom Fim-de-semana
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Boas férias, querida Mariazita e obrigada por teres vindo cá deixar um beijinho. Aproveita bem toda essa calma da praia paradisiaca para que voltes pronta para enfrentar a proxima estação onde o sol não nos fará tanta companhia. Até breve! Beijinhos
EliminarEmilia
Olá, querida Emília.
ResponderEliminarFica sempre um pouco... e às vezes o pouco faz-se tanto, parecendo fermentar e crescer em intensidade, à medida que o tempo passa. Quantas vezes o tempo tem a capacidade de exponenciar acontecimentos, amores, dores...
É incrível como a memória, por vezes, guarda um pequeno fragmento de instante que nos assalta passados anos, sem que, na altura, tomássemos tanta consciência... um pequeno som, às vezes um estalido; uma frase curta ou inacabada, até saída sem pensar e registada sem querer...
Um perfume... Um perfume de memória fica tão enraizado em nós.
Linda postagem, Emília.
um beijinho amigo
Querida Carmen, não tenho mais nada a acrescentar ao teu belo comentário. É mesmo incrivel essa capacidade da nossa memória; coisas e instantes a que não demos grande importância e que agora nos aparecem com frequência e com outro valor. Ficou tanta cois e tentemos que do resto da caminhada fiquem pétalas perfumadas para que um dia alguém nos recorde como pessoas com alguma essência. Muito obrigada, amiga e desejo-te dias com muitos momentos felizes. Um beijinho
EliminarEmilia